BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Câmara dos Deputados aprovou na noite desta quinta-feira (19) o projeto de lei que altera as regras do BPC (Benefício de Prestação Continuada) e limita o ganho real do salário mínimo.
A votação simboliza o sinal verde dos parlamentares à trinca de propostas que integram o pacote de contenção de gastos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O resultado bem-sucedido se deu após o governo e as bancadas reforçarem a articulação. O Executivo também acenou com pagamento extra de emendas.
A proposta teve o aval de 264 deputados, e outros 209 foram contra. O governo precisava do apoio apenas da maioria dos presentes. O texto agora segue para o Senado Federal.
As medidas incluídas neste projeto respondiam, em sua versão original, por R$ 31,9 bilhões da economia de R$ 71,9 bilhões esperada pela equipe econômica em 2025 e 2026.
A mudança na regra do salário mínimo responde sozinha por pelo menos R$ 11,9 bilhões desse montante (o governo estima que o impacto pode ser até maior) e foi mantida no texto pelo relator, deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL).
Por outro lado, o parlamentar fez uma série de flexibilizações nas mudanças que atingiam o BPC e excluiu a alteração no FCDF (Fundo Constitucional do Distrito Federal), que teria um impacto de R$ 2,3 bilhões em dois anos. As mudanças podem alterar o impacto total do pacote, mas ainda não há novas estimativas públicas.
Embora o projeto de lei demandasse um quórum menor para aprovação (apenas maioria simples), seu conteúdo era um dos mais espinhosos para a base do governo ao mexer em uma série de benefícios, como o BPC, pago a idosos com mais de 65 anos e pessoas com deficiência de baixa renda.
Desde o início, o endurecimento das regras do BPC se tornou um dos principais pontos de resistência ao pacote, sobretudo na bancada do Nordeste -reduto regional do próprio relator.
Para ampliar a aceitação do texto no Congresso, Bulhões decidiu excluir as regras que restringiam o acúmulo de benefícios, ampliavam o conceito de família para o cálculo da renda e dificultavam a concessão do benefício a quem tem a posse ou propriedade de bens. As concessões constaram já no primeiro parecer, divulgado na noite de quarta-feira (18).
A mudança no critério de deficiência também foi rejeitada, mas o relator inseriu outros dois artigos que condicionam o benefício à avaliação que ateste deficiência de grau moderado ou grave. Será necessário ainda apresentar o CID (Classificação Internacional de Doenças).
Como mostrou a Folha de S.Paulo, o governo tenta restringir a concessão do BPC para pessoas com deficiência diante da explosão do número de beneficiários. O crescimento é particularmente elevado no caso de pessoas diagnosticadas com TEA (transtorno do espectro autista). A alta foi de quase 250% em três anos, contra 30% na média geral de beneficiários.
A mudança, porém, gerou resistências no plenário. O relator manteve o texto, mas ressaltou em seu parecer que “independentemente da gravidade da doença, pessoas com Transtorno do Espectro Autista e com Síndrome de Down poderão ser consideradas pessoas com deficiência para fins de acesso ao BPC”.
Nesta quinta, o relator divulgou uma segunda versão do parecer. Nele, a obrigatoriedade do cadastro biométrico para todos os beneficiários de programas sociais foi mantida, mas será flexibilizada em locais onde não há posto habilitado a fazer o cadastro ou em caso de dificuldades de deslocamento. Nessas situações, o requerente terá prazo de seis meses, prorrogável por igual período, para atender à exigência.
O governo também fez um acordo para manter só no projeto de lei o dispositivo que autoriza descontar da renda familiar considerada no critério de acesso ao BPC apenas as parcelas expressamente previstas em lei, uma tentativa de fechar brechas exploradas principalmente em decisões judiciais para facilitar a concessão do benefício.
“O programa será preservado com responsabilidade e justiça social, mas também com segurança jurídica. Sem esse projeto, sem essas modificações, esse programa irá colapsar devido ao crescimento não orgânico dos últimos tempos”, disse Bulhões ao ler seu parecer no plenário da Câmara.
O tema é tão sensível que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que era necessário “desmistificar” versões sobre as mudanças feitas ao BPC. Segundo ele, o resultado foi um “termo bastante razoável”. “Importante ressaltar o esforço de todos os deputados e líderes para construir um texto que dê resposta para a manutenção de um programa importante, mas que se evite eventuais desvios que podem levar à sua extinção.”
As concessões do programa tiveram uma aceleração considerável a partir do segundo semestre de 2022. Até então, o público oscilava entre 4,6 milhões e 4,7 milhões, com pequenas variações mensais. Neste ano, ultrapassou a barreira dos 6,2 milhões. As despesas com o benefício estão orçadas em R$ 112,9 bilhões para 2025. O governo vê descontrole no programa.
Pilar central do pacote, o limite ao ganho real do salário mínimo representa um recuo de Lula na política da valorização que seu próprio governo implementou, mas a medida já era considerada consenso na Câmara.
A nova regra prevê que o ganho real do piso, acima da inflação, continuará atrelado ao crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes, mas não poderá superar a correção do limite do arcabouço fiscal -que oscila entre 0,6% e 2,5% ao ano.
O relator ainda excluiu a mudança no modelo de reajuste anual dos repasses da União ao FCDF. Hoje, a verba é corrigida pela variação das receitas federais. A correção passaria a ser pela inflação, o que representaria um repasse menor ao longo dos anos. Tentativas anteriores de diminuir as transferências para o Distrito Federal já haviam fracassado no Congresso.
O governo precisou reforçar a articulação no Legislativo para garantir a aprovação do pacote ainda este ano e destacou uma tropa de ministros que são congressistas para atuarem junto às suas bancadas e arregimentar os votos necessários.
Um dos ministros, porém, atuou em defesa de outro interesse. Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) esteve no plenário da Câmara para tentar derrubar do texto uma mudança no Proagro, programa de seguro rural bancado com ajuda do governo federal, que havia sido proposta pelo próprio governo Lula.
O projeto previa que o custeio do programa passará a observar o espaço disponível no Orçamento, diferentemente do formato atual, em que o gasto é obrigatório, e o governo precisa acomodar qualquer crescimento inesperado que ocorra.
A pressão acabou surtindo efeito, e o relator reformulou o texto para limitar à disponibilidade orçamentária “o planejamento anual das contratações do programa”.
A atitude de Teixeira contrariou deputados governistas, já que isso pode enfraquecer o impacto do projeto. O governo espera economizar R$ 3,7 bilhões com corte de subsídios nos dois primeiros anos, e isso inclui o Proagro.
À reportagem, o ministro rejeitou as críticas. “Não desidrata porque esse acordo foi feito no âmbito do governo. Isso já está acertado”, disse.
Na quarta-feira, a Câmara concluiu a aprovação do projeto de lei complementar que trata de emendas parlamentares e desvinculação de fundos. Nesta quinta, após o reforço na articulação, o governo conseguiu os votos para aprovar com folga a PEC (proposta de emenda à Constituição) que mexe no abono salarial. A trava contra supersalários na administração pública, porém, foi desidratada.
IDIANA TOMAZELLI E VICTORIA AZEVEDO